Outras Figuras


Óleo sobre tela. 2016
Óleo sobre fotografia. 2016

“As possibilidades e os processos do meio tornam-se tema da própria pintura, à medida que esta abdica de um compromisso com a sua função simbólica. Este movimento não implica porém uma renúncia às linguagens figurativas a favor da abstracção, promovendo mesmo uma existência simultânea e uma oscilação entre ambas, como encontramos no artista Gerhard Richter. Reportando ao pintor alemão referido, mas também a Helena Almeida, poder-se-iadestacar a série de fotografias pintadas a óleo que Assunção Melo intitulou “Mergulho”. Neste conjunto, composto por uma série de várias fotografias coladas directamente sobre a parede, uma figura aparece imersa em tinta azul, que a vai rodeando, ocultando ou descobrindo. A protagonista é a própria autora, que parece interagir com as manchas detinta, rebatendo desta forma os dois tempos que sabemos serem obrigatórios ao processo. À reflexão sobre as possibilidades da pintura soma-se assim um sentido de dramatização e teatralidade que atravessa toda a obra apresentada nesta exposição. Também na pintura, em ambos os conjuntos apresentados e sobretudo nas telas demenor formato, encontramos estas figuras em suspenso. Representadas em posições habitualmente transitórias e com gestos exagerados, parecem o registo de uma performance à qual só temos acesso através de um instante. Por outro lado, contrariamente à ilusão proposta, a consciência da natureza própria do meio encontra-se sempre presente.A zonas altamente detalhadas sucedem-se outras onde está visível apenas a estrutura do desenho, como se a própria pintura tivesse sido abandonada, mantida ela própria em suspenso. A obra de Assunção Melo parece assim hesitar entre pólos opostos, alternando entre o rigor e a espontaneidade na execução, a ficção e o que a artista denomina como um “nível de verdade” da pintura. No fundo como o próprio mergulho que lhe serve de tema, é na fronteira entre dois meios diferentes que ele acontece. O título da exposição recusa-se também a clarificar o seu significado, Outras Figuras parece contradizer-se, negar-se a si próprio, ecoando o oxímoro do poema de Mário de Sá-Carneiro: “Eu não sou eu nem sou o outro,/ Sou qualquer coisa de intermédio.” ou o “Je estun autre” de Rimbaud. Este confronto com o que permanece irresoluto será talvez, de forma paradoxal, o que de mais consensual existe na produção e contemplação artísticacontemporânea.”

Excerto do texto de João Sousa Pinto para a exposição Outras Figuras.
Casa-Museu Abel Salazar. 2016